quinta-feira, julho 27, 2006

Bertolt Brecht

Não sabia o que havia de escrever... aqui está um poema de Bertolt Brecht que eu acho simplesmente.... genial... e me apetecia lê-lo a muita gente.

"Sente-se.
Está sentado?
Encoste-se tranquilamente na cadeira.
Deve sentir-se bem instalado e descontraído.
Pode fumar.
É importante que me escute com muita atenção.
Ouve-me bem?
Tenho algo a dizer-lhe que vai interessá-lo.

Você é um idiota.

Está realmente a escutar-me?

Não há pois dúvida alguma de que me ouve com clareza e distinção?
Então Repito: você é um idiota. Um idiota.
I como Isabel;
D como Dinis;
outro I como Irene;
O como Orlando;
T como Teodoro;
A como Ana.
Idiota.

Por favor não me interrompa.
Não deve interromper-me.
Você é um idiota.
Não diga nada.
Não venha com evasivas.
Você é um idiota.
Ponto final.

Aliás não sou o único a dizê-lo.
A senhora sua mãe já o diz há muito tempo.
Você é um idiota.
Pergunte pois aos seus parentes.
Se você não é um idiota...
claro, a você não lho dirão, porque você se tornaria vingativo como todos os idiotas.
Mas os que o rodeiam já há muitos dias e anos sabem que você é um idiota.
É típico que você o negue.
Isso mesmo: é típico que o Idiota negue que o é.
Oh, como se torna difícil convencer um idiota de que é um Idiota.
É francamente fatigante.
Como vê, preciso de dizer mais uma vez que você é um Idiota e no entanto não é desinteressante para você saber o que você é e no entanto é uma desvantagem para você não saber o que toda a gente sabe.
Ah sim, acha você que tem exactamente as mesmas ideias do seu parceiro.
Mas também ele é um idiota.
Faça favor, não se console a dizer que há outros Idiotas: Você é um Idiota.
De resto isso não é grave.
É assim que você consegue chegar aos 80 anos.
Em matéria de negócios é mesmo uma vantagem.
E então na política!
Não há dinheiro que o pague.
Na qualidade de Idiota você não precisa de se preocupar com mais nada.
E você é Idiota

(Formidável, não acha?)"

Bertolt Brecht

terça-feira, julho 18, 2006

Aniversário

Bem... parece que estou um ano mais velha... e toda a gente me dá os parabéns como se o dia de aniversário fosse a melhor coisa do mundo... e é... é o dia em que deixo, matematicamente, de ter a idade x para ter a idade x+1... isso, porque é só o meu 22º aniversário... porque daqui a uns anos sou capaz de dizer que o dia dos meus anos vai ser o meu pior pesadelo, e que a minha idade, a cada ano que passa, passa a ser x=x...

Mas por enquanto ainda posso dizer, com algum orgulho, que estou mais crescida hoje... pelo menos no BI...

Ainda comemoro o meu aniversário, mas não podia deixar de aqui colocar um poema de Álvaro de Campos, que mostra que até no dia do nosso aniversário podemos sofrer...

Aniversário

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a.olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho... )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos. . .

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

Álvaro de Campos

segunda-feira, julho 03, 2006

Ele há dias em que mais valia não acordar

Realmente, ele há dias em que mais valia não acordar...

Hoje foi um deles... depois de adormecer e acordar quando já devia estar a trabalhar, ser abordada por alguém que não está no seu perfeito juízo a gritar connosco e estar tão a dormir que nem se tem reacção, finalmente cheguei ao trabalho e só me segurei a café...

Sim, porque além de tudo isto, hoje acordei já cansada... sonhei toda a noite com coisas estúpidas que não lembram nem ao diabo... mas isso eu já estou acostumada... agora a da velha a apanhar-me ao pé de minha casa, meia a dormir (para não dizer completamente a dormir), e começar a gritar comigo como se eu quisesse fazer-lhe mal... isso é que a mim me deixou logo com os azeites... e quando eu estou com os azeites, não há ninguém que me ature...

A minha sorte é que amanhã será um dia melhor... espero...


"O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço."

 Álvaro de Campos, "O que há em mim é sobretudo cansaço"